Em Mafra, o município não cobra a Contribuição de Melhoria, estaria o município incorrendo em desrespeito à Lei de Responsabilidade Fiscal e em enriquecimento sem justa causa dos proprietários dos imóveis valorizados com obras públicas e em última análise prejudicando os demais contribuintes?
Sacha Calmon Navarro em sua obra Comentários à Constituição de 1988. Sistema tributário.( 4.ª ed. Rio de Janeiro: ed. Forense, 1999. P. 74-75. ) faz a remissão histórica sobre a contribuição de melhoria no chamado betterment tax para melhoramentos nos rios Lea e Tâmisa, na Inglaterra, do ano de 1605.
“Reza a lenda que a coroa britânica resolveu retificar o rio Tâmisa, nas imediações de Londres, e murar as suas margens no trecho citadino. E fez-se o empreendimento, a custos bem elevados. Terminada a obra, verificou-se que os súditos de sua majestade, especialmente os londrinos, tinham acabado de obter grande conforto. O rio já não transbordava, alagando a cidade. Logo se pôs o Parlamento britânico a discutir o caso e chegou à conclusão de que uma classe especial de súditos auferira especial vantagem patrimonial: os afortunados proprietários das áreas rurais próximas à cidade, agora ótimas (antes alagadiças e pantanosas e, por isso mesmo, inaproveitáveis)(…) E a plus valia, a valorização, não decorrera do esforço próprio dos donos, nem de investimentos particulares em benfeitorias, nem da desvalorização de libra esterlina. Decorrera, em verdade da realização da obra pública. Teria se resolvido, então, instituir um tributo específico com a finalidade de ‘capturar a mais-valia imobiliária decorrente daquela obra pública’, cuja base de cálculo seria precisamente a expressão da valorização obtida por cada um dos proprietários. Assim, teria ocorrido contribuição de melhoria em imóvel de particular, decorrente de obra publica (…)”.
Feita a remissão histórica, aqui hoje, entre nós, o que interessa saber é sobre sua classificação tributária, o objeto de aplicação e a responsabilidade do administrador público em realizar a cobrança.
A contribuição de melhoria, ao lado dos impostos, das taxas, das contribuições especiais e dos empréstimos compulsórios, completa as espécies do gênero tributo, sendo instrumento de grande valia para o desenvolvimento da atividade urbana. É a espécie tributária que possui como fato gerador a realização de obra pública da qual decorra valorização em imóvel particular.
A atividade urbanística se exterioriza também através da realização de obras públicas, tendo como exemplos as de saneamento básico, construção de estradas e metrôs, construção, alargamento e pavimentação de ruas, canalização, entre outras, e, sendo assim, a contribuição de melhoria é meio capaz de aperfeiçoar a gestão urbanística brasileira, de forma a garantir que particulares contribuam na efetivação de benfeitorias destinadas a propiciar uma melhor condição de vida no espaço em que habitam.
O conceito mais usual da doutrina é que contribuição de melhoria “é a espécie tributária que tem como fato gerador a realização de obra pública da qual decorra valorização de imóvel particular”. Ou seja:
- a contribuição de melhoria é um tributo;
- está atrelada a um fato gerador vinculado a uma atuação estatal específica e imediata, que é a realização de uma obra pública;
- possui fato gerador composto de dois núcleos básicos, conjugados e inseparáveis: a realização de obra pública e a valorização de imóvel particular;
- relação de causalidade entre a valorização imobiliária – a chamada plus value imobiliário – e a construção de obra pública: esta deve ser sempre a causa daquela.
O lançamento da Contribuição de Melhoria se dá após procedimento administrativo onde os valores individuais da valorização imobiliária são apurados e devidamente publicados após o decurso de prazo para eventuais impugnações.
A contribuição de melhoria é um dever que se impõe a todos entes políticos de nosso país. Tanto a União, Estados, Distrito Federal e Municípios, ao se esquecerem desse tributo, ao não utilizá-lo quando ocorrido o seu fato gerador, incidem em ilegalidade, dado a característica vinculada e não discricionária da cobrança dos tributos. A sua não cobrança gera então a violação ao direito subjetivo público do cidadão, abrindo assim oportunidade para a apreciação da questão no Poder Judiciário.
Com o advento da Lei de Responsabilidade Fiscal e de Estatuto da Cidade, importantíssimos na Gestão Pública nomeadamente na municipal, ficou evidenciado aquilo que diversos autores já sustentavam como sendo a obrigatoriedade do lançamento da Contribuição de Melhoria nas hipótese de ocorrência do respectivo fato gerador, sob pena de infringência da Lei de Responsabilidade Fiscal e o Estatuto da Cidade.
A Lei de Responsabilidade Fiscal já prevê as penalidades pelas diversas condutas, tanto criminais quanto de improbidade administrativa; já o Estatuto da Cidade incluiu a possibilidade de suas infrações serem objeto de Ação Civil Pública por parte do Ministério Público.
A exigência da realização de obras públicas é direito do contribuinte, do munícipe enquanto pagador de seus tributos. A realização de obras públicas é obrigação do administrador público que tem o dever legal de exigir a contrapartida através da cobrança da contribuição de melhoria, sob pena de responsabilização civil e criminal.
Assim finalizamos com a afirmativa de que, a contribuição de melhoria é uma contraprestação estatal geradora de obra pública que beneficiou seus contribuintes, e nada melhor que os próprios beneficiados tenham o ônus dos custos da obra, e não toda a coletividade, que em muitas ocasiões não tem por si o benefício alcançado por aqueles, assim a contribuição de melhoria é um tributo justo, se não o mais justo do nosso sistema tributário, pois atinge apenas aqueles que tiveram benefício imobiliário com a obra pública, não onerando o restante da sociedade que são alheios a esta vantagem.
Enfim, por que será que a Prefeitura não cobra a contribuição de melhoria? Por que será que ela continua insistindo em cobrar tributos indevidos (vide o caso do IPTU 2010) e não cobra a contribuição de melhoria?
Se considerarmos a permanente voracidade do Fisco, é pelo menos estranho que a contribuição de melhoria permaneça até hoje praticamente sem utilização. De acordo com o tributarista Hugo de Brito Machado, a contribuição de melhoria não tem sido cobrada, no Brasil, devido à exigência legal de publicação do orçamento da obra, e porque o contribuinte tem o direito de impugnar o respectivo valor. Afirma Hugo de Brito Machado que as obras públicas são geralmente contratadas por valores muito elevados, acima dos valores de mercado, de sorte que a transparência não seria conveniente para a Administração, e muito menos para as empreiteiras de obras públicas.
Se a razão apresentada pelo tributarista Hugo Machado for verdadeira, onde ficam todos os tribunais de contas, o federal, os estaduais e os municipais, onde eles existem? Ou será que a transparência da administração e a verificação do verdadeiro valor das obras públicas somente poderiam existir se fosse cobrada a contribuição de melhoria?
E como fica o contribuinte beneficiado pela obra pública que não recolheu a referida contribuição de melhoria? Aqui temos que procurar na jurisprudência que nos informa que:
18.486) EXECUÇÃO FISCAL. CONTRIBUIÇÃO DE MELHORIA.
Sendo o fato gerador do tributo a valorização produzida no imóvel pela obra pública (calçamento), o ressarcimento pelo beneficiário é devido, sob pena de enriquecimento ilícito. (Apelação Cível e Reexame Necessário nº 196054761, 2ª Câmara Cível do TARS, Campo Bom, Rel. Marco Aurélio dos Santos Caminha. Apelante: Município de Campo Bom. Apelado: Jorge Jair Schuch. j. 22.08.96)
Ordenamento Jurídico da Contribuição de Melhoria:
Código Tributário do Município de Mafra (Lei nº 2359, de 11 de novembro de 1999, artigos 166 à 179):
Artigo 166- Será devida a Contribuição de Melhoria, no caso de valorização de imóveis de propriedade privada, em virtude de qualquer das seguintes obras públicas:
I- Abertura, alargamento, pavimentação, iluminação, arborização, esgoto pluviais e outros melhoramentos de praças e vias públicas;
II- Construção e ampliação de parques, campos de desportos, pontes, túneis e viadutos;
III- Construção e ampliação de sistemas de trânsito rápido, inclusive todas as obras e edificações necessárias ao funcionamento do sistema;
IV- Serviços e obras de abastecimento de água potável, esgotos, instalação de redes elétricas e telefônicas e outras instalações de comodidade pública, quando realizados pelo Municípios;
V- Proteção contra inundações e erosão, retificação e regularização de cursos d’agua e irrigação, saneamento e drenagem em geral;
VI- Aterros e realizações de embelezamento em geral, inclusive desapropriação em desenvolvimento de plano de aspecto paisagístico.
Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172, de 25 de outubro 1966, artigos 81 e seguintes):
Art. 81 – A contribuição de melhoria cobrada pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, é instituída para fazer face ao custo de obras públicas de que decorra valorização imobiliária, tendo como limite total a despesa realizada e como limite individual o acréscimo de valor que da obra resultar para cada imóvel beneficiado.
Constituição Federal do Brasil:
Art. 145 – A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:
(…)
III – contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas.
DECRETO-LEI Nº 195, DE 24 DE FEVEREIRO DE 1967
Fontes: as citadas no texto.
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