Receita do governo para resolver os problemas

O post abaixo foi retirado do Blog do Sakamoto

Pegue um problema. Pode ser qualquer um, apontado por qualquer ator social, seja um instituto de pesquisas do próprio governo, alguma organização da sociedade civil ou movimento social, entidade do setor empresarial, nação indígena, população de rua, fábrica de pirulito, o que seja.
 
Não lave, não corte, não destrinche, nem trisque. Coloque-o com casca e tudo em uma panela. Aí, duas opções, dependendo do gosto: ponha em banho-maria, sobre fogo brando, e vá cozinhando as poucos. Vire de vez em quando para mostrar que o prato não foi completamente abandonado. A segunda opção, se você não quiser gastar gás, é deixar descansar em uma travessa, dentro de uma caixa, colocada, por sua vez, em alguma gaveta. Se possível de uma mesa no depósito. Se alguém de sua equipe piar, mude o reclamão de setor. De repente, para cuidar do supracitado depósito.

Deixe o problema crescer.

Quando a sociedade chiar, é hora de tirar o problema de onde está e trazê-lo a público. Coloque uma pitada de “especialistas” que vão gastar meses para verificar a melhor forma de prepará-lo com o curto espaço de tempo que sobrou. Quando disserem que não dá mais para servir a solução do problema em tempo hábil e que faltou planejamento, culpe a burocracia ambiental, a falta sistêmica de recursos, a divina improvidência, séculos de dominação moura sob a Península Ibérica ou o último corte de cabelo do Justin Bieber, mas culpe algo. Diga que precisa comprar mais mais gente, ops, mais ingredientes para preparar o problema a tempo.

Acrescente um decreto para simplificar o licenciamento ambiental de empreendimentos de transmissão de energia elétrica no país (como revelado pelo Valor Econômico). Atribua ao bagre-albino-cego-que-joga-pôquer ou ao mico-leão-que-come-sucrilhos a demora. Não assuma, em nenhum momento, como bom cozinheiro que você é, que deixou passar o ponto, sendo o responsável por criar aquela situação.

Dê pitadas de discurso pronto, do gênero “se o decreto não for aprovado, os investimentos feitos até agora estarão perdidos”.

Se preferir, use duas colheres de chantagem. Mas tem que ser da boa, como “Olha, o Brasil deve escolher se preserva meia dúzia de silvícolas ou se quer crescimento e desenvolvimento” ou “O país precisa decidir se coloca comida na mesa de todos e acaba com a fome ou vai atender aos murmúrios de meia dúzia de sem-terra que ficam gritando de barriga cheia”.

Mexa bem.
 
Aqui vale a simplicidade. Quantos mais critérios socioambientais forem defenestrados, melhor. A receita fica mais gostosa ainda se você conseguir uma liminar para garantir obras sem audiências públicas e o apoio de setores sociais antes críticos a receitas feitas nas coxas.

Um ingrediente surpresa é culpar algum índio, quilombola, sindicato, trabalhador ou alguma organização social internacional pela falta de diálogo para a solução. Isso é receita de mãe, passada ao longo do tempo, sempre funciona para essas tipos de problemas. Mas se aceitarem conversar, desconverse. Afinal de contas, você já conhece a receita da política de fato consumado. Assobia e faz de conta que não é com você. Não ponha pimenta nunca.
 
Contrate serviços sem licitação, sob a justificativa de que não há mais tempo. Lembre-se que, quanto mais salgado os valores pagos a amigos, maior a chance de você ser reeleito cozinheiro.

Pronto. Sirva ainda quente.
 
Rende poucas porções. Mas o resto do pessoal, que ficou de fora do butim e pagou por tudo, não vai reclamar: ou terá comprado o discurso fajuto de “ou é isso ou seu ar condicionado para” ou estará desalojada, exilada em alguma favela de grande cidade.
 
Harmoniza bem com um Montrachet Domaine de la Romanée Conti 1978 que, pago com dinheiro público, tem um excelente buquê e um retrogosto que faz a diferença.